terça-feira, 23 de setembro de 2014

Crônicas IV - Lordes de Scornubel - Capítulo 1 - "Areias do Passado" (parte 3)

Abydos
Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu narro, conjuntamente com as idéias do jogadores, no Cenário de Campanha Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais. 


"Vamos, garoto, a caravana não vai esperar você arrastando esse baú tão devagar." Um soco de leve na cabeça dado pelo seu pai e o menino anão-do-escudo se colocava novamente em marcha, juntamente com sua mãe, sua pequena irmã de colo, seu pai e o restante de seu clã. Abydos olhava agora para o seu filho, orgulhoso, pois em breve o menino teria os braços fortes como o pai e poderia ser um auxiliar de construção.

Abydos vinha de uma longa genealogia de anões, mas se interessava pouco por sua história. Até evitava o assunto nas reuniões regadas à cerveja tipicamente anã, depois de um dia longo de trabalho. O pouco que não conseguiu evitar de saber foi que seu avô paterno fazia parte de uma antiga comunidade de anões do escudo em alguma parte do Subterrâneo ao norte de Faerûn. Comunidade essa destruída por alguma raça monstruosa. Seu avô, como não era um guerreiro - era um construtor de algum clã não importante - fugiu com outros sobreviventes para a superfície, buscando o calor das terras do Sul.

Os sobreviventes acabaram formando um clã, um grupo de anões ligados por laços de consanguinidade e companheirismo, realizando serviços de construção de casas, fortalezas, reformas - a maioria deles tinha essa dom - onde fossem chamados e bem pagos. O clã não possuía nome, já que eles perderam sua cidade natal e não teriam a autorização dada pelos deuses anões a portar um nome, enquanto não retomassem sua terra de nascimento. Abydos achava uma tolice acreditar em deuses, pois eles não impediram que seu clã vagasse pela terra e passasse por sofrimentos. Competia aos próprios anões acharem seu caminho. Ele deixava claro nas reuniões do clã que à volta ao lar era uma lenda propagada pelos poucos clérigos de Moradin, deus criador dos anões; e que o clã devia se preocupar em sobreviver com o pouco que já tinham conquistado.

Na última reunião do conselho do clã, um humano apareceu com uma grandiosa proposta: a reconstrução de uma fortaleza no deserto. Um pouco antes, o clã discutia a construção de um pequeno santuário a Moradin, uma espécie de sacrifício simbólico e também financeiro, já que seria algo criado pela própria comunidade, usando os escassos recursos disponíveis conseguidos nos trabalhos do clã na cidade de Memnon. Abydos pediu a palavra e foi estritamente contra, ganhando essa causa a extrema maioria dos votos do conselho. Logo, ele se viu tentado a aceitar a proposta feita logo depois, envolvendo riquezas, daquele humano chamado Helium. Construir uma fortaleza e ser pago em ouro superava de longe a vontade de construir algo inútil para a vida de Abydos e sua família.

Junto com as últimas horas do anoitecer, Abydos e sua pequena família estava junto com seu clã na última pedra visível da estrada do deserto. Nenhum guarda os incomodou na saída da cidade. "Provavelmente foram subornados pelo bandoleiro para dar passagem livre", Abydos comentou com seus companheiros de viagem.

Depois de duas tediosas horas se passarem, os anões notaram que não estavam mais desacompanhados. Havia uma roda de bandoleiros ao redor deles, criando um perímetro protetor para quem acompanhasse Helium e seu grupo para o então chamado Oásis da Tempestade. Abydos viu se aproximarem grupos humanos - trazendo nos rostos expressões de desconfiança, medo ou fome, pois algumas daquelas famílias arriscavam suas vidas simplesmente em busca de uma condição de sobrevivência; rostos que os anões conheciam muito bem - e um ou outro indivíduo de outras raças. Fora essas famílias, havia um par de magos e um destacamento de monges da cidade. Isso causou alguma apreensão, por talvez os monges fossem a força repressora daquela jornada, mas logo ficou claro que eles pretendiam seguir com a caravana.

Trombetas foram sopradas e o grupo começou a marchar para leste, conduzidos por um grupo de bandoleiros montados em camelos, aparentemente os guias da viagem. Abydos colocou sua esposa e filha recém nascida em sua pequena carroça de mão. Lá estavam suas riquezas, juntamente com suas ferramentas de construção, um pouco de água e alimentos. Ao lado, caminhava seu filho, que carregava um baú com poucas moedas de ouro, prata e cobre. Pouco tempo depois, ele se impacientou com a dificuldade do menino em carregar o baú e colocou ambos também na carroça. Ele não queria se atrasar em relação a vanguarda do seu clã, que estava já a alguns metros de distância, à frente da marcha. Sua impaciência o atrapalhou, fazendo o anão não perceber um grupo de pessoas se aproximando. Uma voz dentro desse grupo o chamou a atenção.

"Anão, é bastante forte para carregar sua própria família. É disso que eu preciso em minha cidade. Qual o seu nome?"

"Abydos, senhor."

"Senhor Abydos, eu sou..." O anão o encarou antes de interrompê-lo. "Sei quem você é e sabes porque estou aqui: ouro para cuidar de minha família, lorde Helium."

Helium se aproximou de Abydos, abrindo os braços para afastar os seu seguidores. Queria uma conversa em particular com o anão.

"Você defendeu meus interesses na reunião do seu clã. Lorde Talos glorifica sua decisão. Por isso, desejo nomeá-lo chefe construtor do seu grupo. Haverá muito trabalho para o seu grupo e claro, ouro, como aquele que foi pago após a reunião."

Abydos transpareceu a raiva no seu rosto. "Não me importo com os seus deuses! Eu serei mais um construtor com qualquer outro. Pague meu ouro e arranje um teto para minha família, que eu trabalharei para você."

Helium deu uma risada da afronta do anão, mas logo se recompôs, visando não enfurecer ainda mais o construtor. Era isso que ele queria, pessoas com determinação e garra. Então o bandoleiro segurou os ombros do anão e disse: "Você ganhou meu respeito. Sem conversas santas, então. Seja mais um simples anão, um simples construtor, um simples morador do meu oásis, não importa. Trabalhe e serás bem recompensado, Abydos. Daqui a três dias, abraçaremos nosso destino."

Três dias de marcha e uma nova noite de tempestade...

Baseado num background de um dos personagens da campanha Lordes de Scornubel.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Crônicas III - Lordes de Scornubel - Capítulo 1: "Areias do Passado" (parte 2)

Região Rochosa do Deserto Calim
Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu narro, conjuntamente com as idéias do jogadores, no Cenário de Campanha Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais. 


Buscando uma forma de melhorar as vendas de seus produtos, os comerciantes da cidade de Memnon separaram um espaço no meio das tendas do Mercado para anúncios, sejam eles feitos através de oradores ou escritos. No final da madrugada, dois jovens encapuzados carregando um estandarte, chegaram furtivamente ao pequeno palco de madeira. O estandarte, apenas um cartaz feito de pele de bode, com a tinta ainda manchando a pele, trazia um anúncio: "Helium, Aquele que Enfrentou a Tormenta, depois de cinco anos de sua primeira conquista, convida aventureiros destemidos, assim como pessoas em busca de novas oportunidades, para morarem em sua cidade, Oasis Tempestivo. Voluntários, apareçam amanhã, no último marco de pedra da Estrada do Deserto, à primeira luz da manhã". O comunicado trouxe grande efeito. Logo nas primeiras horas da manhã, esse seria o assunto de todo mercado e da cidade que acordava. Essa história nem mesmo morreu - momentaneamente virou um sussurro passado de pessoa para pessoa - quando os guardas destruíram o estandarte e ameaçaram a pequena aglomeração ao redor dele, que a participação naquela aventura criminosa levaria a alguns dias de prisão.

Mas o jovem mago Arnon não sabia disso. O convite fervilhava entre os frequentadores da Taverna Vento Sul enquanto eles faziam sua refeição matinal, mas mesmo o burburinho tirou Arnon de seu sono alcoolizado. Os atendentes do local nem o incomodavam mais, sabiam que logo seu cliente mais assíduo em breve levantaria a cabeça, realizaria sua primeira magia do dia - limpar seus longos e desgrenhados cabelos castanhos claros, seu rosto e suas roupas apropriadas para o calor de Calimshan, dos restos de comida e bebidas da noite anterior - e pediria seu copo de cerveja vermelha. Grande foi o susto do jovem, quando acordou subitamente, tendo seus cabelos puxados para trás e recebendo uma borrifada de água no rosto. Provavelmente seria Miklas lhe incomodando.

"Acorda, Arn! A luz de Lathander já banha a nossa terra. Deuses, você está péssimo!" Era difícil para Miklas não se comparar com seu amigo de juventude. Ele não tinha conseguido se acostumar em se vestir como os nativos do Sul, terra natal de Arnon. Trajava um manto azul claro impecavelmente arrumado da sua ordem sacerdotal, os clérigos/magos do deus Azuth, Senhor das Magias, enquanto seu amigo Arn usava um manto marrom areia, um turbante - caído no chão - e um colete de couro ressecado para guardar seu grimório e componentes mágicos. Os dois tinham se conhecido na cidade de Águas Profundas, estudantes da famosa Ordem Vigilante de Magistrados e Protetores. Chegaram a se formar e trabalhar pela ordem, mas abandonaram seu caminho; Miklas recebeu um chamado divino, enquanto Arnon preferiu abraçar as noites repletas de bebidas fermentadas das tavernas de Memnon.

Olhos castanhos ardendo; visão embaralhada; cabeça ainda latejando; ouvidos zunindo. "Hoje não vai ser um bom dia", Arnon comentou para si mesmo, mas sua própria voz martelava sua cabeça. A ressaca ainda ia demorar a passar. Até que uma luz o ofuscou, mas infelizmente não era o sono voltando. Miklas fazia alguma magia curativa tocando no seu ombro. "Isso te deixará um pouco melhor. Vamos falar de negócios agora, Arn", o clérigo dizia enquanto colocava uma cópia da convocação de Helium sobre a mesa. "O que é isso? Vou resumir: é a oportunidade de você abandonar essa mesa e voltar a usar seus dons mágicos, voltar a ser um praticante da Arte, não utilizá-la como truques baratos para ganhar moedas de cobre e bebidas."

"Miklas, 'o santo' - o sacerdote odiava quando seu amigo era irônico - me afastou do meu descanso matinal para falar de praticar a Arte. Claro, por que não viajar no Deserto Calim na época das tempestades de areia em busca de algumas palmeiras e rochas? Dez homens viajam para lá, um sobrevive, não é isso que o povo conta? Isso se Helium e seus homens não implicarem com o sobrevivente e decidirem cortar sua cabeça para afiar suas cimitarras ou deixarem o 'sortudo' contemplando o deserto, enterrado até o pescoço de areia. Servo, um copo de cerveja de fogo."

"Apenas boatos, Arn. Sei que o Tormentoso não abandonou seus hábitos bandoleiros, mas trata de uma forma mais justa seus comandados. A implicância dos, dos... Como você chama os lordes governantes de Memnon? Ah, lembrei... Paxás. A implicância dos paxás é política. Duvido que amanhã algum guarda apareça para prender alguém. Com certeza, a parte de moedas de ouro deles para não atrapalhar o encontro já está reservada. Meu interesse é outro. Estou interessado em conhecer o mecanismo de proteção do oásis. Lorde Talos não é um deus aliado da causa da minha igreja, mas seria importante saber o tipo de ritual necessário que envolve o lugar. Posso copiar isso e utilizar num santuário de Azuth. Claro que não utilizando tempestades como fetiche mágico."

O servo trazia o copo de cerveja vermelha e uma bandeja com quatro pães. Arnon gesticulou, oferecendo os pães à Miklas, que recusou. O mago bebeu sua cerveja de vez, pediu outro copo, arrancou um naco de pão e depois de engoli-lo, bebeu outro copo, dessa vez, o suficiente para a comida descer pela garganta. "E eu com isso? O que realmente tenho a ganhar?" Ele cruza os braços, o que o clérigo sabia de longa data o significado, que tinha finalmente chamado sua atenção.

"Pelas conversas que eu tive nas ruas, Arn... Inclusive falei com um meio-elfo do bando dele... Helium está precisando de todo tipo de pessoas. Tenho quase certeza que alguns monges da Antiga Ordem daqui da cidade vão fundar uma sede lá. E veja bem, esses monges são bons lutadores, mas extremamente tolos, porque não acreditam no Panteão de Deuses. Mesmo Helium sendo dedicado ao Senhor da Tempestade, aceitou a ida deles para lá. Soube também que estão querendo construtores, anões se possível. Mas o mais importante: descobri através do meio-elfo que comentei, que eles precisam de um especialista de magia e por enquanto, não apareceu nenhum mago, sequer um feiticeiro interessado a se juntar a eles. Na Ordem dos Magistrados, seu desempenho com a Arte era melhor que o meu. Essa é sua chance".

Arnon balançou a cabeça e terminou de beber seu copo. Lembrou do infortúnio que sua ordem lhe trouxe, o que lhe fez abandoná-la. Fora a amizade com Miklas, ele tinha nada mais a perder. Mais uma noite de bebedeira; no outro dia, morte no deserto. "Tudo bem, eu topo."

Baseado no background da personagem Annya, da campanha Lordes de Scornubel.