Nova sessão do blog com pequenos contos, Backgrounds - uma breve história de origem de um personagem de RPG.
“Senhor, esta
é sua rede. Aqui está a chave do seu baú. E ali atrás, o balde, para vomitar o
jantar de hoje à noite, hehehe!”
“Essa não é
minha primeira viagem marítima, marujo, mas obrigado.”
“Certo... Ei,
reconheço o senhor! Você não é filho do Mestre Armadilheiro da cidade de
Khalifor, Lorde Demetrius?”
“Sim, sou
Alexander Kronoberg, mas não sou um lorde como meu pai. Aqui, tome duas moedas
de ouro por sua lembrança e seu silêncio.”
“Obrigado,
senhor, desculpe, não recordo o seu nome, hehehe! Mas o pequeno lorde está no
lugar errado, no barco errado. Há homens perigosos, inclusive inimigos do reino
de Tyrondir. Conte com minha discrição, mas isso aqui pode se tornar uma
armadilha, se alguém mais descobrir.”
“Armadilha? Talvez seja. Mas
será mais uma. Marujo, sente-se aí e aprenda algumas coisas. Primeiro: não
tenho como negar, armadilhas são a minha especialidade! Segundo: Elas não
julgam o seu caráter, sua história, seus feitos. Mais um motivo para eu gostar
delas!”
“O senhor fala
delas com paixão, como se elas fossem especiais. Como se fosse... Como passar à
noite com a dona do melhor bordel do porto.”
“Elas são mais
do que isso. Tentarei explicar melhor, para essa sua cabecinha cheia de sal.
Armadilhas são minha vida. Ou a própria vida. Somente há três formas de
enfrentar a vida, ou como eu prefiro dizer, encarar uma armadilha: tendo uma
morte rápida; tendo um longo caminho de sofrimento até a morte; ou sendo tolo
demais e continuar sobrevivendo até o próximo desafio. Eu e meu pai somos do
terceiro tipo, os tolos.”
“Lorde
Demetrius - como você fez o favor de dizer, acrescentando o seu pomposo título
- deve estar lá, sentado confortavelmente numa poltrona de veludo, em sua torre
de construtor, fazendo plantas, mapas, mecanismos, planos. Já meus antigos
companheiros soldados do exército da cidade – que o atual patriarca Kronoberg
despreza, mas onde ele, meu pai, me alistou depois do meu acidente – estão lá,
nos altos de muralhas ou em subterrâneos imundos, lutando contra goblinóides,
sendo alvejados por flechas, instalando armadilhas mortais, dando a vida,
tentando encontrar a morte rápida, da forma mais indolor possível.”
“Acidente?
O senhor tem todos os membros, pelo o que vejo, não teve um toco de mão rasgado
por um tubarão como eu... Arg... Marca horrível a sua... Perdão... Vou ficar
mais perto do balde...”
“Isso
no rosto é pequeno. A maior queimadura cobre o peito. Fogo grego. Armadilha
defeituosa. Primeiro mês na ordem dos armadilheiros. Tentando impressionar o
velho. Muita confiança e pressa. Fui recompensado com anos de dor. Mas não
queria encontrar a morte sofrendo. Aprendi a respeitar os soldados, menos o
péssimo hábito de seguir ordens. Talvez por isso, sempre me mandavam na frente,
nas batalhas subterrâneas. O subterrâneo de Khalifor era a forma mais fácil
daqueles malditos goblinóides tentarem conquistar nossa cidade fortaleza. E lá
era meu campo de batalha. Comparando, marujo, era um mar repleto de armadilhas
naturais, de mecanismos, símbolos mágicos e goblinóides, furiosos como uma tempestade.
Deixei de ser um sofredor e passei a ser um tolo. Sempre encarando a morte,
seja ela uma parede disparadora de setas envenenadas ou um goblin com sua
espada ensanguentada. Sobrevivendo sendo o mais rápido, como o jovem apressado
que se feriu desarmando uma engenhoca encharcada de óleo quente que fui. Um
tolo.”
“Uma
história que seria melhor contada pelos bardos, pequeno lorde. Em alguns
segundos, um simples trovador conseguiria as duas moedas que ganhei, cantando a
balada sobre o senhor. Meu esquecimento deve ser melhor recompens...”
“Há
três formas de enfrentar a vida, como lhe disse. Um sacerdote me contou uma vez
que quando se está morrendo, as areias do tempo desaceleram, para que o
moribundo fale suas últimas palavras. As últimas palavras a serem ditas são
minhas. Escute, serei tão breve quanto fui ao cortar sua garganta. A vida é uma
armadilha.”
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