Reiniciando a história da minha principal campanha atual de RPG, temos que começar com o tema da campanha. Com vocês, o prólogo de Lordes de Scornubel!
Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu
narro, conjuntamente com as ideias do jogadores, no Cenário de Campanha
Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus
direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um
material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais.
Casa das Maravilhas, no plano de existência "Casa do Conhecimento" |
Lentas gotas de sangue. Sangue vermelho escuro,
quase negro. Sangue divino, fervilhando de poder, quase uma chama primordial.
Em intervalos de segundos, gotas de sangue manchavam e dissolviam com seu calor
o chão de mármore branco da Casa das Maravilhas. Sangue de uma criatura
gigantesca, que teria uma forma humanóide para quem o olhasse, mas agora parecia
ser um golem colossal de metal. Uma armadura completa e perfeita para qualquer
guerreiro, a qual seu dono estava vestido para uma guerra. Guerra que ele
venceu, mas que trazia um gosto amargo na boca.
"Mestre, o senhor está sangrando. Trarei as
aranhas tecelãs para recompor sua armadura". Hisha, o principal guerreiro
do deus ferido, levemente ergueu sua cabeça para fazer essa observação. Seu
elmo dourado em forma de martelo, assim como uma armadura dourada cobrindo as
partes vulneráveis do corpo gigante, facilmente identificavam Hisha como um dos
mais imponentes seres da raça dos Inevitáveis, os Maruts. Eram construídos assim,
representando os agentes supremos do Deus de Todos os Ferreiros, Gond.
Gond estava a alguns metros à frente do Marut,
sentando, sangrando em seu trono no palácio de metal, fogo e engrenagens
chamado de Casa das Maravilhas. Essa construção dourada, erguida num plano de
existência divino intitulado de Casa do Conhecimento, foi construída com os
maiores inventos, engenhos, tecnologias criadas e descobertas pelos seres
humanos e gnomos que habitavam o plano material de Faerûn. O Maior de Todos os
Ferreiros afastou os pensamentos que o distraiam e observou que o sangue
escorria de sua manopla direita para o chão e uma dor pulsante paralisava seu
ombro direito. Sua melhor armadura, aquela que ele levou milhares de anos
mortais para criar na melhor forja dos deuses, não foi proteção suficiente para
impedir que uma lança cristalina a atravessasse, um pouco acima do seu coração.
Um ataque feito pelo seu próprio filho.
O Ferreiro dos Deuses
tirou seu elmo, levantou-se e foi em direção de uma janela do palácio. Seus
cabelos e barba ruivos flamejantes se agitavam com o leve vento, que trazia um
cheiro de fumaça e destruição. Seu reino apresentava uma visão deplorável para
seus olhos de chamas vivas. Três seres invadiram o plano, ludibriaram parte do
seu leal exército constructo e marcharam destruindo qualquer outro adversário
no caminho, com o objetivo de exterminar o Deus Ferreiro e tomar o seu poder
divino. Seus inimigos chegaram a travar combate na própria sala do trono da
Casa das Maravilhas, profanando a santidade do local e o ferindo, mas ele e sua
guarda pessoal de inevitáveis os prenderam e lhe trouxeram a vitória. O comandante
do exército inimigo lhe causava desgosto ao mesmo tempo em que lhe trazia uma
leve satisfação, seu próprio filho semideus. Lantis.
O combate final tinha
acontecido há poucas horas, mas sua cidade ainda trazia as marcas da
destruição. Mas como característica do seu criador, os seres que a habitavam, reconstruíam
prédios e edificavam novos monumentos numa velocidade absurda para mortais.
Enquanto isso, o deus sangrava. Seu poder divino facilmente fecharia seus
ferimentos e deixaria que constructos cristalinos e pequenos, parecidos com um
enxame de aranhas, rapidamente reconstruíssem sua armadura, mas Gond queria lembrar-se
da dor, quando chegasse o momento que seus prisioneiros encarariam o seu
julgamento. Talvez a dor o ajudasse a puni-los adequadamente ao crime de
tentativa de deicídio. Uma vontade interna queria, ao invés disso,
parabenizá-los pelo desafio. Ele caminhou de volta para o seu trono que adotava
inúmeras formas, conforme engrenagens se moviam, e ao sentar, tamborilou os
dedos, dando permissão que Hisha falasse o motivo de estar ante a sua presença.
“Lorde da Criatividade,
antes de trazer os prisioneiros, o seu mestre, o Deus Senhor do Conhecimento
Oghma, deseja lhe falar.” Depois de um aceno de cabeça do deus ruivo, o Marut
abriu sua mão esquerda, onde um minúsculo cristal – comparado ao tamanho de seu
punho – emitiu uma forte luz branca, que trazia a imagem de um jovem senhor com
um alaúde na mão. “Jovem Gond, que história temos aqui!”, comentava Oghma, com
um discreto sorriso no rosto. “E é uma história clássica: o filho que busca
superar o pai. Ele junta alguns amigos, faz alguns acordos e bate na sua porta,
para tomar seu lugar. Mas ele foi ansioso, deveria ter se preparado mais. E aí,
você sabe como a história termina. Sendo mais óbvio, termina numa superação.
Preciso conhecer os personagens.”
Uma voz estrondosa
vinda do trono de engrenagens convocou os guardas e os prisioneiros. Antes de
uma legião de marut adentrarem no salão, Hisha se postou ao lado direito de seu
mestre e notou claramente nos olhos vermelhos de Gond, um misto de raiva e admiração
quando os três invasores, Lantis – seu filho – o arquimago elfo Dariel e a
necromante Amaryllis entraram numa carroça-prisão repletas de correntes e proteções
mágicas.
Um centauro com um
corpo de metal prateado e asas metálicas douradas proferia as acusações, mas o
Lorde dos Ferreiros não prestava atenção. Novamente, perdido em pensamentos,
ele imaginava como Lantis, resultado de um relacionamento com uma gnoma linda e
inteligente, tornou-se sumo sacerdote de seu culto em Faerûn, na ilha gnômica
de Lantan e passou a planejar sua derrocada. A ambição mortal humana corria nas
veias de seu filho – o que o orgulhava - mas ele ainda não estava preparado
para assumir seus poderes divinos. Ainda.
Hisha assistia o
silêncio perturbador – os prisioneiros não tinham direitos a se manifestarem,
nem fisicamente, nem falando – depois que o inevitável Zelekhut tinha terminado
sua fala. Por bom senso, o Marut não pretendia novamente chamar a atenção de
seu senhor e receber a fúria igual ao que o deus ruivo aplicava na moldagem dos
metais de suas criações. O Deus Bardo Oghma pretendia tocar uma balada que
cantava a história de um herói aprisionado alguns longos minutos depois, mas se
deteve quando uma energia primordial atravessou o palácio e os seres que lá
estavam. Em breves instantes, uma forma humanoide surgiu. Sua pele parecia um
tecido representando o céu noturno, cujas estrelas agiam como estrelas cadentes
enquanto ela se movimentava em direção dos prisioneiros.
“Lorde Gond, você
possui em seus domínios, três seres que desprezam a vida. Os objetivos deles parecem
espelhar sua vontade e poderes divinos. Lantis busca substituir a vida orgânica
por um mundo feito por constructos. Dariel deseja ser o rei desse mundo,
enquanto Amaryllis almeja a sua divindade. Objetivos distintos, que levariam ao
conflito entre eles após a sua queda. Mas não preciso te dizer isso, pois já
sabes. E mesmo em fúria por te afrontarem, sei que se orgulhas disso”. A fúria
de Mystra, a deusa da Magia e a Senhora Trama do Universo, ficava cada vez mais
patente a cada frase afirmada. Gond esmagava com as mãos seu elmo. A força e o
calor que ele tinha nas mãos praticamente derretiam o adamantium. Sua fúria
interna estava direcionada para Senhora da Magia. Seu deus-senhor, Oghma, podia
sentir essa fúria aquecer o ambiente e se postou entre os dois companheiros do
panteão.
Depois de destruir seu
trono em um único golpe, o deus ruivo gritou. “Eles são meus prisioneiros,
Mystra. Você não os tocará. A senhora pode ser orgulhar de saber do que aconteceu
aqui, mas está é a mais clara demonstração do que eu desejo para os mortais.
Ambição e Progresso! Por isso, eles não devem ser punidos, devem ser
incentivados!” A saliva expelida pelos gritos de Gond queimava as vestes finas
e a pele de Oghma, mas ele não demonstrava dor. Antes de acender o ex-mortal Gond
a divindade, num passado longínquo, ele conhecia sua fúria e impulsividade. O
convívio dos dois e o conhecimento acalmaram o temperamento do Ferreiro, mas a
extrema reserva de Mystra à tecnologia e consequentemente às invenções que o
deus ruivo tanto adorava, levava ambos a discussões calorosas. O Deus Bardo
sabia que um conflito aqui não levaria a nada. “Senhores, acredito que podemos
chegar a resultado... Desculpe, Senhora da Arte... A uma punição que agrade a
todos nós. Escolhida por vossa senhoria, é claro”.
Mystra voltou a sua
costumeira serenidade depois da afirmação de que seria mantida a hierarquia
divina, onde ela era superior ao seu adversário Gond. Após uma breve olhada nos
prisioneiros, ela se tornou um redemoinho de energia e partiu, deixando uma
ordem ouvida em todo plano. “Gond deverá construir uma construção inescapável
em Faerûn, pois se fosse feita aqui, seus prisioneiros-servos facilmente
fugiriam. Essa prisão será lacrada com o meu poder inesgotável e você, Oghma,
apagará a existência deles da história”.
Uma ideia fixa apaziguou
imediatamente a mente do Senhor de Todos os Ferreiros. O desafio de construir a
prisão perfeita feito pela Dama do Universo realmente era uma punição
agradável. Imediatamente ordenou a Hisha, que trouxesse sua mesa de projetos. O
cristal do conhecimento na mão do marut se apagou, mas o inevitável conseguiu
ouvir o Bardo Divino se despedir dizendo: “...farei o que mandas, senhora, mas
as histórias nunca podem ser verdadeiramente apagadas...”.
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