quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Backgrounds 1 - Armadilha (Personagem: Alexander Kronoberg)

Nova sessão do blog com pequenos contos, Backgrounds - uma breve história de origem de um personagem de RPG.

ARMADILHA

“Senhor, esta é sua rede. Aqui está a chave do seu baú. E ali atrás, o balde, para vomitar o jantar de hoje à noite, hehehe!”
“Essa não é minha primeira viagem marítima, marujo, mas obrigado.”
“Certo... Ei, reconheço o senhor! Você não é filho do Mestre Armadilheiro da cidade de Khalifor, Lorde Demetrius?”
“Sim, sou Alexander Kronoberg, mas não sou um lorde como meu pai. Aqui, tome duas moedas de ouro por sua lembrança e seu silêncio.”
“Obrigado, senhor, desculpe, não recordo o seu nome, hehehe! Mas o pequeno lorde está no lugar errado, no barco errado. Há homens perigosos, inclusive inimigos do reino de Tyrondir. Conte com minha discrição, mas isso aqui pode se tornar uma armadilha, se alguém mais descobrir.”
                “Armadilha? Talvez seja. Mas será mais uma. Marujo, sente-se aí e aprenda algumas coisas. Primeiro: não tenho como negar, armadilhas são a minha especialidade! Segundo: Elas não julgam o seu caráter, sua história, seus feitos. Mais um motivo para eu gostar delas!”
“O senhor fala delas com paixão, como se elas fossem especiais. Como se fosse... Como passar à noite com a dona do melhor bordel do porto.”
“Elas são mais do que isso. Tentarei explicar melhor, para essa sua cabecinha cheia de sal. Armadilhas são minha vida. Ou a própria vida. Somente há três formas de enfrentar a vida, ou como eu prefiro dizer, encarar uma armadilha: tendo uma morte rápida; tendo um longo caminho de sofrimento até a morte; ou sendo tolo demais e continuar sobrevivendo até o próximo desafio. Eu e meu pai somos do terceiro tipo, os tolos.”  
“Lorde Demetrius - como você fez o favor de dizer, acrescentando o seu pomposo título - deve estar lá, sentado confortavelmente numa poltrona de veludo, em sua torre de construtor, fazendo plantas, mapas, mecanismos, planos. Já meus antigos companheiros soldados do exército da cidade – que o atual patriarca Kronoberg despreza, mas onde ele, meu pai, me alistou depois do meu acidente – estão lá, nos altos de muralhas ou em subterrâneos imundos, lutando contra goblinóides, sendo alvejados por flechas, instalando armadilhas mortais, dando a vida, tentando encontrar a morte rápida, da forma mais indolor possível.”
                “Acidente? O senhor tem todos os membros, pelo o que vejo, não teve um toco de mão rasgado por um tubarão como eu... Arg... Marca horrível a sua... Perdão... Vou ficar mais perto do balde...”
                “Isso no rosto é pequeno. A maior queimadura cobre o peito. Fogo grego. Armadilha defeituosa. Primeiro mês na ordem dos armadilheiros. Tentando impressionar o velho. Muita confiança e pressa. Fui recompensado com anos de dor. Mas não queria encontrar a morte sofrendo. Aprendi a respeitar os soldados, menos o péssimo hábito de seguir ordens. Talvez por isso, sempre me mandavam na frente, nas batalhas subterrâneas. O subterrâneo de Khalifor era a forma mais fácil daqueles malditos goblinóides tentarem conquistar nossa cidade fortaleza. E lá era meu campo de batalha. Comparando, marujo, era um mar repleto de armadilhas naturais, de mecanismos, símbolos mágicos e goblinóides, furiosos como uma tempestade. Deixei de ser um sofredor e passei a ser um tolo. Sempre encarando a morte, seja ela uma parede disparadora de setas envenenadas ou um goblin com sua espada ensanguentada. Sobrevivendo sendo o mais rápido, como o jovem apressado que se feriu desarmando uma engenhoca encharcada de óleo quente que fui. Um tolo.”
                “Uma história que seria melhor contada pelos bardos, pequeno lorde. Em alguns segundos, um simples trovador conseguiria as duas moedas que ganhei, cantando a balada sobre o senhor. Meu esquecimento deve ser melhor recompens...”
                “Há três formas de enfrentar a vida, como lhe disse. Um sacerdote me contou uma vez que quando se está morrendo, as areias do tempo desaceleram, para que o moribundo fale suas últimas palavras. As últimas palavras a serem ditas são minhas. Escute, serei tão breve quanto fui ao cortar sua garganta. A vida é uma armadilha.”