sexta-feira, 15 de maio de 2020

25 NPCs - Personagem 9 - Sebastian Tax

Sir Edgard Salvati olha o fundo do seu copo de vidro vazio. Sua garrafa de vinho também estava vazia. E Selûne mal havia aparecido nos céus. Aquela seria mais uma noite tediosa para o ilustríssimo cavaleiro da Ordem de Exploradores e Aventureiros de Cormyr. Naquela dezena, o nobre cormyriano acompanhava um companheiro de seu grupo de lordes em uma missão arcana. Missão essa que ele realmente esperava que lhe proporcionasse emoções, como um bom combate, jovens camponesas ansiosas por atenção ou uma montanha de moedas de ouros vinda de butim do líder globinoíde derrotado por suas lâminas. 

Na realidade, os dias consistiam em observar de dentro de sua tenda, um excêntrico mago chamado Galvan "reconstituindo a Trama" nas Terras de Helm. Aparentemente, onde estavam acampados, a magia não funcionava e o mago passava o tempo inteiro circulando por um terreno de alguns metros de extensão, com uma engenhoca mística, que Sir Edgard acreditava que não funcionava também. Lorde Salvati decidiu se levantar, ir lá fora e colocar algum senso no praticante da arte. Ele não pretendia passar mais um dia lá, principalmente depois que seu estoque pessoal de vinho ter esgotado. Ao se levantar, uma luz verde invadiu a tenda. O cormyriano perdeu alguns segundos para perceber que a luz não era um efeito pessoal da bebida.

Lá fora, Salvati viu a origem da luminosidade. Desmentindo o colega explorador, um portal esverdeado se abria no ar puxando Galvan, que flutuava alguns centímetros do chão, preso apenas por seu cajado pregado no solo.

"Galvan, o que faço?". Edgard desembainhou sua espada, ao mesmo tempo que notava a inutilidade de seu ato. O mago não teve tempo de responder. O portal foi mais forte e o tragou para seu vórtice. Antes de se fechar, o portal proporcionou outro efeito mágico inexplicável para o explorador cormyriano. Para sua mente que pouco entendia da Arte, a luz verde tinha cuspindo um humanóide no lugar de seu colega mago.

***

Ouço passo e conjurações arcanas sendo feitas. O pior é que não sei se isso é efeito dessa masmorra carregada de ilusões. Hora de atrapalhar a conversa. Estou aqui para teleportá-los, foi pago para isso, inclusive, não para enfrentar... Merda, magos vermelhos, tatuagens em suas cabeças carecas, merda. Magos Vermelhos de Thay!

Corro e sou recebido por uma chuvarada de mísseis mágicos e flechas ácidas. Grito, 'vamos, essa luta não é nossa'. Obrigado, Tymora, por eles estarem juntos! Hora de levá-los para a fazenda dos Flechas. Gestos e palavras arcanas entoadas, mas um calor supremo me abate após a conjuração.

Acordo e vejo todos atordoados. Nenhum deles e nem eu fazemos ideia de onde estamos. Sei que é o Norte, mas quando busco detalhes na minha mente, a dor invade. Parte do meu corpo queima, resultado de uma bola de fogo. Mas não é minha única dor. Uma pressão me puxa. Vejo um portal se abrir em minhas costas antes que eu novamente apague...

***

Após horas de vigília cuidando do humano ferido que atravessou o portal mágico, Edgard serve um pouco de água para o recém acordado.

"Seja bem-vindo ao mundo dos vivos, rapaz. Eu sou Sir Edgard Salvati, cavalheiro da Ordem dos Exploradores e Aventureiros de Cormyr e você está em minha tenda, descansando."

"Obrigado, senhor... Edgard?"

"Exatamente, rapaz, exatamente. Como se sentes? Suas queimaduras estavam piores quando eu o trouxe para cá, mas acho que as compressas de água fizeram seu bom serviço."

"Acho que estou bem para quem foi ferido pelo poder arcano máximo de uma bola de fogo e ter sido forçadamente tragado por um portal. Sebastian Tax, por falar de nomes, ao seu serviço. Onde estamos?"

"Ao norte de Arabel, em Cormyr, em algum lugar dessas áridas Terras de Helm."

Sebastian se senta na cama, estende o braço em agradecimento ao estranho que o ajudou e lhe dá um meio sorriso. "Estou em casa."

***

"Filho, você não vai ser iniciado dos Magos de Guerra Púrpura. Seus poderes mágicos são imprevisíveis. Eu, Morgan Tax, não permitirei."

Sinto a fúria, junto com minha energia arcana pronta para ser lançada de minhas mãos. Meu pai. Meu próprio pai não acredita no meu potencial. Paro os gestos arcanos no último segundo e dou as costas. Vou pegar minhas coisas e partir. O nojo na voz dele serve como combustível na minha decisão.

Flix, meu familiar, lambe meu rosto, como quisesse se desculpar de alguma travessura que tinha feito. Minha raiva não era com ele. E não é apenas com meu pai. É com a escola dos Magos que me rejeitava, é com minha mãe, que não conheci.

Saio de Arabel pedindo desculpas a minha mãe. O culpado por sua morte numa estrada nas Terras de Helm fui eu. Meu parto a matou.

***

"Jovem, presta atenção na estada". Edgard puxava as rédeas do seu alazão. Seu companheiro de estrada parecia perdido em pensamentos e a égua que ele montava, herdada do desaparecimento de Galvan, aproveitava para mascar grama.

O feiticeiro sai de sua distração e dá ordem para sua montaria seguir.

Salvati coça seu cavanhaque e analisa seu novo companheiro de viagem. Mais um arcano, sem engenhocas místicas, sem nenhuma informação de onde estaria Galvan, com uma incrível recuperação física e estranhas bolhas místicas flutuando ao redor do seu manto. "Devia ter estudado mais tratados arcanos ao invés de participar dos desafios físicos da Ordem."

"Sir Edgard, desculpe pela distração. Falava sobre o que?"

"Pensando alto. Mas sim, jovem compatriota, pretendes ficam em Arabel? Tens estadia lá? Posso oferecer as regalias da casa local da Ordem dos Exploradores. Inclusive, ela já foi reconstruida após os ataques da Guerra Goblin. Depois de lá, você poderia minha acompanhar a capital, Suzail."

"Só de passagem. Vou visitar um amigo cervejeiro e voltar para meu grupo atual, os Flechas Prateadas do Vale do Arco. Gostaria de agradecer novamente a ajuda. Devolverei também a égua. Não garanto, mas tentarei encontrar seu companheiro. Coisas ruins acontecem aos que andam comigo por causa dos meus poderes mágicos. Não vou levar a sua sorte ao limite."

Edgard dá uma leve risada. Acena positivamente para Sebastian e se volta para o horizonte. Ele estima que está a meia hora da cidade de Arabel. Ele revisa mentalmente as últimas coisas que o arcano lhe disse e se lembra das várias explorações de sucesso, onde encarou destemidamente o perigo. "Você não conhece minha estirpe, garoto".

***

"Sebastian, seu poder arcano é incrível. Você é um condutor de magia, magia essa em seu estado mais cru, mais bruto, mais selvagem. Não conheço nenhum feiticeiro com essa magnitude de poder. Mas vi registros dessa magia selvagem em livros que falam do Tempo das Perturbações, a época que os deuses vieram para Faerûn como mortais. Da época que Mystra foi destruída por enfrentar Helm."

"E para que serve esse poder, se ele sempre falha comigo, Pieter? Para que?! Ele é uma maldição. Quando estávamos presos no Plano das Sombras, eles falharam. Pior ainda, eles chegaram a fortalecer magicamente nossos inimigos. Poucos dos Flechas Prateadas que me acompanhavam nessa aventura voltaram comigo e nem sabemos se aqueles que não conseguiram sair do plano estão vivos."

"Pode ser uma maldição. Mas é a sua maldição. Somente você pode lidar com ela. Assim como só você pode lidar com a dor de nossos companheiros  que foram presos no domínio das sombras. Espero que de alguma forma, eles estejam vivos e que de alguma forma, possamos resgatá-los. Acho que isso pode apaziguar sua culpa. Se você precisar de ajuda, estarei na Torre Fabulosa e lá existem ferramentas para que você possa desenvolver e quem sabe controlar a arte. Sabe onde me encontrar."

 ***

A chuva castigava. Suas roupas pesavam, castigando ainda mais seu corpo flagelado por longos períodos sem alimentar. Apenas a vontade de se vingar mantinha Edgard de pé. Agora era um desgraçado ex membro da Ordem dos Exploradores e Aventureiros de Cormyr. Galvan foi encontrado morto por goblins nas Fronteiras Prateadas por um parente. Parente esse que era um nobre de grande importância, com status superior na realeza cormyriana.  Usando da influência, acusou Salvati de negligência em seu contrato de proteção. Seus companheiros de clube concordaram com sua expulsão. Edgard se tornou um indesejado. Perdeu suas posses e sua honra. Agora ele estava no Vale do Arco para tomar a vida de Sebastian Tax. Aquele que o nobre amaldiçoado avistava a poucos metros de distância, sentado distraído junto ao portão de uma fazenda.

"Sebastian, aqui é Sir Edgard Salvati, aquele cuja vida foi desgraçada por te ajudar, por sua presença. Aproxime-se e enfrente sua última luta, arcano maldito."

O explorador viu quando Tax acenou para outras pessoas que estavam ali. Sua luta não teria interferências. Mas logo foi ficando mais enraivado, pois o feiticeiro se aproximava dele de uma forma displicente, devagar, como se tivesse prestes a fugir. A lâmina de sua espada longa beberia bastante do sangue dele. A fuga não era opção para seu adversário.

Mais uma vida que desgracei alguém com essa magia selvagem. Se ele acha que deve tomar minha vida e me livrar do fado de ter esse poder, que seja. Estou cansado de não controlá-lo. Fortalecerei a espada dele com uma aura que a tornará mais mortífera. Encontrarei os deuses mais rápido.

Mesmo com dificuldade de firmar o equilíbrio no solo molhado, Edgard avançou com uma investida. Ele sabia que com essa manobra, rasgaria de cima a baixo o corpo do inimigo, mesmo estando fraco como estava. Mas ao se aproximar, viu o arcano gesticular runas numa linguagem estranha. Em frações de segundo, as runas atingiam sua espada e sua armadura. Ele escorregou tentando desviar da magia, mas não conseguiu. O corpo de Salvati não tinha condições físicas de se levantar com aquela armadura metalica pesada que vestia, mas ele se levantou. Levantou para sentir uma dor excruciante. Sua arma estava em chamas, assim como sua armadura e seu corpo. Literalmente cozinhava. Mas o que finalmente lhe derrotou foi ver a cara de nojo do seu adversário ao vê-lo sucumbir. Caiu e se entregou a morte.
Não! Não! Pelos Deuses, não! Não era esse efeito mágico! Lágrimas caem, meus joelhos cedem. Minha maldição funcionou novamente.