terça-feira, 23 de setembro de 2014

Crônicas IV - Lordes de Scornubel - Capítulo 1 - "Areias do Passado" (parte 3)

Abydos
Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu narro, conjuntamente com as idéias do jogadores, no Cenário de Campanha Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais. 


"Vamos, garoto, a caravana não vai esperar você arrastando esse baú tão devagar." Um soco de leve na cabeça dado pelo seu pai e o menino anão-do-escudo se colocava novamente em marcha, juntamente com sua mãe, sua pequena irmã de colo, seu pai e o restante de seu clã. Abydos olhava agora para o seu filho, orgulhoso, pois em breve o menino teria os braços fortes como o pai e poderia ser um auxiliar de construção.

Abydos vinha de uma longa genealogia de anões, mas se interessava pouco por sua história. Até evitava o assunto nas reuniões regadas à cerveja tipicamente anã, depois de um dia longo de trabalho. O pouco que não conseguiu evitar de saber foi que seu avô paterno fazia parte de uma antiga comunidade de anões do escudo em alguma parte do Subterrâneo ao norte de Faerûn. Comunidade essa destruída por alguma raça monstruosa. Seu avô, como não era um guerreiro - era um construtor de algum clã não importante - fugiu com outros sobreviventes para a superfície, buscando o calor das terras do Sul.

Os sobreviventes acabaram formando um clã, um grupo de anões ligados por laços de consanguinidade e companheirismo, realizando serviços de construção de casas, fortalezas, reformas - a maioria deles tinha essa dom - onde fossem chamados e bem pagos. O clã não possuía nome, já que eles perderam sua cidade natal e não teriam a autorização dada pelos deuses anões a portar um nome, enquanto não retomassem sua terra de nascimento. Abydos achava uma tolice acreditar em deuses, pois eles não impediram que seu clã vagasse pela terra e passasse por sofrimentos. Competia aos próprios anões acharem seu caminho. Ele deixava claro nas reuniões do clã que à volta ao lar era uma lenda propagada pelos poucos clérigos de Moradin, deus criador dos anões; e que o clã devia se preocupar em sobreviver com o pouco que já tinham conquistado.

Na última reunião do conselho do clã, um humano apareceu com uma grandiosa proposta: a reconstrução de uma fortaleza no deserto. Um pouco antes, o clã discutia a construção de um pequeno santuário a Moradin, uma espécie de sacrifício simbólico e também financeiro, já que seria algo criado pela própria comunidade, usando os escassos recursos disponíveis conseguidos nos trabalhos do clã na cidade de Memnon. Abydos pediu a palavra e foi estritamente contra, ganhando essa causa a extrema maioria dos votos do conselho. Logo, ele se viu tentado a aceitar a proposta feita logo depois, envolvendo riquezas, daquele humano chamado Helium. Construir uma fortaleza e ser pago em ouro superava de longe a vontade de construir algo inútil para a vida de Abydos e sua família.

Junto com as últimas horas do anoitecer, Abydos e sua pequena família estava junto com seu clã na última pedra visível da estrada do deserto. Nenhum guarda os incomodou na saída da cidade. "Provavelmente foram subornados pelo bandoleiro para dar passagem livre", Abydos comentou com seus companheiros de viagem.

Depois de duas tediosas horas se passarem, os anões notaram que não estavam mais desacompanhados. Havia uma roda de bandoleiros ao redor deles, criando um perímetro protetor para quem acompanhasse Helium e seu grupo para o então chamado Oásis da Tempestade. Abydos viu se aproximarem grupos humanos - trazendo nos rostos expressões de desconfiança, medo ou fome, pois algumas daquelas famílias arriscavam suas vidas simplesmente em busca de uma condição de sobrevivência; rostos que os anões conheciam muito bem - e um ou outro indivíduo de outras raças. Fora essas famílias, havia um par de magos e um destacamento de monges da cidade. Isso causou alguma apreensão, por talvez os monges fossem a força repressora daquela jornada, mas logo ficou claro que eles pretendiam seguir com a caravana.

Trombetas foram sopradas e o grupo começou a marchar para leste, conduzidos por um grupo de bandoleiros montados em camelos, aparentemente os guias da viagem. Abydos colocou sua esposa e filha recém nascida em sua pequena carroça de mão. Lá estavam suas riquezas, juntamente com suas ferramentas de construção, um pouco de água e alimentos. Ao lado, caminhava seu filho, que carregava um baú com poucas moedas de ouro, prata e cobre. Pouco tempo depois, ele se impacientou com a dificuldade do menino em carregar o baú e colocou ambos também na carroça. Ele não queria se atrasar em relação a vanguarda do seu clã, que estava já a alguns metros de distância, à frente da marcha. Sua impaciência o atrapalhou, fazendo o anão não perceber um grupo de pessoas se aproximando. Uma voz dentro desse grupo o chamou a atenção.

"Anão, é bastante forte para carregar sua própria família. É disso que eu preciso em minha cidade. Qual o seu nome?"

"Abydos, senhor."

"Senhor Abydos, eu sou..." O anão o encarou antes de interrompê-lo. "Sei quem você é e sabes porque estou aqui: ouro para cuidar de minha família, lorde Helium."

Helium se aproximou de Abydos, abrindo os braços para afastar os seu seguidores. Queria uma conversa em particular com o anão.

"Você defendeu meus interesses na reunião do seu clã. Lorde Talos glorifica sua decisão. Por isso, desejo nomeá-lo chefe construtor do seu grupo. Haverá muito trabalho para o seu grupo e claro, ouro, como aquele que foi pago após a reunião."

Abydos transpareceu a raiva no seu rosto. "Não me importo com os seus deuses! Eu serei mais um construtor com qualquer outro. Pague meu ouro e arranje um teto para minha família, que eu trabalharei para você."

Helium deu uma risada da afronta do anão, mas logo se recompôs, visando não enfurecer ainda mais o construtor. Era isso que ele queria, pessoas com determinação e garra. Então o bandoleiro segurou os ombros do anão e disse: "Você ganhou meu respeito. Sem conversas santas, então. Seja mais um simples anão, um simples construtor, um simples morador do meu oásis, não importa. Trabalhe e serás bem recompensado, Abydos. Daqui a três dias, abraçaremos nosso destino."

Três dias de marcha e uma nova noite de tempestade...

Baseado num background de um dos personagens da campanha Lordes de Scornubel.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Crônicas III - Lordes de Scornubel - Capítulo 1: "Areias do Passado" (parte 2)

Região Rochosa do Deserto Calim
Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu narro, conjuntamente com as idéias do jogadores, no Cenário de Campanha Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais. 


Buscando uma forma de melhorar as vendas de seus produtos, os comerciantes da cidade de Memnon separaram um espaço no meio das tendas do Mercado para anúncios, sejam eles feitos através de oradores ou escritos. No final da madrugada, dois jovens encapuzados carregando um estandarte, chegaram furtivamente ao pequeno palco de madeira. O estandarte, apenas um cartaz feito de pele de bode, com a tinta ainda manchando a pele, trazia um anúncio: "Helium, Aquele que Enfrentou a Tormenta, depois de cinco anos de sua primeira conquista, convida aventureiros destemidos, assim como pessoas em busca de novas oportunidades, para morarem em sua cidade, Oasis Tempestivo. Voluntários, apareçam amanhã, no último marco de pedra da Estrada do Deserto, à primeira luz da manhã". O comunicado trouxe grande efeito. Logo nas primeiras horas da manhã, esse seria o assunto de todo mercado e da cidade que acordava. Essa história nem mesmo morreu - momentaneamente virou um sussurro passado de pessoa para pessoa - quando os guardas destruíram o estandarte e ameaçaram a pequena aglomeração ao redor dele, que a participação naquela aventura criminosa levaria a alguns dias de prisão.

Mas o jovem mago Arnon não sabia disso. O convite fervilhava entre os frequentadores da Taverna Vento Sul enquanto eles faziam sua refeição matinal, mas mesmo o burburinho tirou Arnon de seu sono alcoolizado. Os atendentes do local nem o incomodavam mais, sabiam que logo seu cliente mais assíduo em breve levantaria a cabeça, realizaria sua primeira magia do dia - limpar seus longos e desgrenhados cabelos castanhos claros, seu rosto e suas roupas apropriadas para o calor de Calimshan, dos restos de comida e bebidas da noite anterior - e pediria seu copo de cerveja vermelha. Grande foi o susto do jovem, quando acordou subitamente, tendo seus cabelos puxados para trás e recebendo uma borrifada de água no rosto. Provavelmente seria Miklas lhe incomodando.

"Acorda, Arn! A luz de Lathander já banha a nossa terra. Deuses, você está péssimo!" Era difícil para Miklas não se comparar com seu amigo de juventude. Ele não tinha conseguido se acostumar em se vestir como os nativos do Sul, terra natal de Arnon. Trajava um manto azul claro impecavelmente arrumado da sua ordem sacerdotal, os clérigos/magos do deus Azuth, Senhor das Magias, enquanto seu amigo Arn usava um manto marrom areia, um turbante - caído no chão - e um colete de couro ressecado para guardar seu grimório e componentes mágicos. Os dois tinham se conhecido na cidade de Águas Profundas, estudantes da famosa Ordem Vigilante de Magistrados e Protetores. Chegaram a se formar e trabalhar pela ordem, mas abandonaram seu caminho; Miklas recebeu um chamado divino, enquanto Arnon preferiu abraçar as noites repletas de bebidas fermentadas das tavernas de Memnon.

Olhos castanhos ardendo; visão embaralhada; cabeça ainda latejando; ouvidos zunindo. "Hoje não vai ser um bom dia", Arnon comentou para si mesmo, mas sua própria voz martelava sua cabeça. A ressaca ainda ia demorar a passar. Até que uma luz o ofuscou, mas infelizmente não era o sono voltando. Miklas fazia alguma magia curativa tocando no seu ombro. "Isso te deixará um pouco melhor. Vamos falar de negócios agora, Arn", o clérigo dizia enquanto colocava uma cópia da convocação de Helium sobre a mesa. "O que é isso? Vou resumir: é a oportunidade de você abandonar essa mesa e voltar a usar seus dons mágicos, voltar a ser um praticante da Arte, não utilizá-la como truques baratos para ganhar moedas de cobre e bebidas."

"Miklas, 'o santo' - o sacerdote odiava quando seu amigo era irônico - me afastou do meu descanso matinal para falar de praticar a Arte. Claro, por que não viajar no Deserto Calim na época das tempestades de areia em busca de algumas palmeiras e rochas? Dez homens viajam para lá, um sobrevive, não é isso que o povo conta? Isso se Helium e seus homens não implicarem com o sobrevivente e decidirem cortar sua cabeça para afiar suas cimitarras ou deixarem o 'sortudo' contemplando o deserto, enterrado até o pescoço de areia. Servo, um copo de cerveja de fogo."

"Apenas boatos, Arn. Sei que o Tormentoso não abandonou seus hábitos bandoleiros, mas trata de uma forma mais justa seus comandados. A implicância dos, dos... Como você chama os lordes governantes de Memnon? Ah, lembrei... Paxás. A implicância dos paxás é política. Duvido que amanhã algum guarda apareça para prender alguém. Com certeza, a parte de moedas de ouro deles para não atrapalhar o encontro já está reservada. Meu interesse é outro. Estou interessado em conhecer o mecanismo de proteção do oásis. Lorde Talos não é um deus aliado da causa da minha igreja, mas seria importante saber o tipo de ritual necessário que envolve o lugar. Posso copiar isso e utilizar num santuário de Azuth. Claro que não utilizando tempestades como fetiche mágico."

O servo trazia o copo de cerveja vermelha e uma bandeja com quatro pães. Arnon gesticulou, oferecendo os pães à Miklas, que recusou. O mago bebeu sua cerveja de vez, pediu outro copo, arrancou um naco de pão e depois de engoli-lo, bebeu outro copo, dessa vez, o suficiente para a comida descer pela garganta. "E eu com isso? O que realmente tenho a ganhar?" Ele cruza os braços, o que o clérigo sabia de longa data o significado, que tinha finalmente chamado sua atenção.

"Pelas conversas que eu tive nas ruas, Arn... Inclusive falei com um meio-elfo do bando dele... Helium está precisando de todo tipo de pessoas. Tenho quase certeza que alguns monges da Antiga Ordem daqui da cidade vão fundar uma sede lá. E veja bem, esses monges são bons lutadores, mas extremamente tolos, porque não acreditam no Panteão de Deuses. Mesmo Helium sendo dedicado ao Senhor da Tempestade, aceitou a ida deles para lá. Soube também que estão querendo construtores, anões se possível. Mas o mais importante: descobri através do meio-elfo que comentei, que eles precisam de um especialista de magia e por enquanto, não apareceu nenhum mago, sequer um feiticeiro interessado a se juntar a eles. Na Ordem dos Magistrados, seu desempenho com a Arte era melhor que o meu. Essa é sua chance".

Arnon balançou a cabeça e terminou de beber seu copo. Lembrou do infortúnio que sua ordem lhe trouxe, o que lhe fez abandoná-la. Fora a amizade com Miklas, ele tinha nada mais a perder. Mais uma noite de bebedeira; no outro dia, morte no deserto. "Tudo bem, eu topo."

Baseado no background da personagem Annya, da campanha Lordes de Scornubel.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Crônicas II - Campanha Lordes de Scornubel - Capítulo 1: "Areias do Passado" (parte 1)


Lordes de Scornubel é uma crônica baseada na aventura que eu narro no Cenário de Campanha Forgotten Realms. Esse cenário e alguns dos personagens citados têm seus direitos pertencentes a empresa Wizards of The Coast. Isso é um material feito por um fã para outros fãs, sem propósitos comerciais.

Aproximadamente 20 anos atrás, Helium, um jovem mercenário recém-saído da adolescência, tentava sobreviver num grupo de bandoleiros nas areias do deserto de Calim. Aquela dia o saque tinha sido proveitoso, vindo das riquezas de um rico mercador do norte, que se perdeu debaixo daquele sol inclemente.

Selûne, a lua, estava cheia no céu, quase como se estivesse acima do acampamento. Todos já dormiam embriagados com a vitória e era a vez de Helium vigiar. O velho Norman, um dos guias do deserto, tinha avisado que o tempo poderia piorar à noite, mas ninguém, nem mesmo o jovem bandoleiro, lhe deu atenção.

Depois de poucas horas de vigília, o tempo esfriou rapidamente e a lua cheia foi coberta por uma enorme nuvem negra. Helium circulava a fronteira nordeste do acampamento dos bandoleiros quando um duplo raio atingiu uma colina de areia há alguns metros de distância e trouxe por alguns segundos a visão de um pequeno bosque de palmeiras. Helium esfregou os olhos, pensando que não fazia sentido ele ter visto uma miragem, algo que o calor fazia no dia. Disse para si mesmo, "onde há palmeiras, há um oásis, mas nosso grupo teria visto esse lugar. Passamos a poucos metros dele. Quem eu quero enganar? Estou cansado e essa promete ser uma noite de muito frio e raios".

Um novo raio atingiu o chão, muito próximo do mercenário. Cego pelo clarão e derrubado no chão pela força da natureza, Helium conseguia enxergar aos poucos, enquanto o chiado dos seus ouvidos diminuía, os homens gritavam. O acampamento estava acordando, os animais de carga reclamavam; um vento forte chicoteava suas vestes. Até que veio um enorme urro e todo o restante dos sons cessaram. O jovem mercenário das areias se levantou com dificuldade, na direção de onde parecia ter vindo o grito que parecia vindo de um deus. De repente, a escuridão da noite se tornou luz branca e ele viu o corpo do deus: um redemoinho de areia que se estendia do chão aos céus. Ele deixou de sentir o chão, pois o deus-redemoinho o puxava nos seus braços de vento para si.

* * * * * * *

Chão firme. Nariz sentindo cheiro de sangue. Boca coberta de areia. Corpo dolorido, que o fez lembrar da brigas de ruas, brigas que o jovem Helium enfrentava nas ruas de Athkatla. Vindo de Amn para Calimshan pulando de caravana em caravana, buscando uma oportunidade de comer e ganhar peças de ouro brigando, nunca ele tinha se sentido antes tão destroçado. Com o apoio do braço direito bom - o esquerdo estava dormente e parecia fora de sua posição normal - o amniano se ergueu e viu onde estava, onde a tempestade de areia havia lhe deixado quebrado, mas vivo. Estava em uma câmara fracamente iluminada. a luz vinha de um pequeno buraco numa parede de areia, escorada num largo corredor de pedra. A entrada de uma ruína tomada pelo deserto.

Uma tosse com sangue acontecia a cada dez passos em direção à parede arenosa. O bandoleiro já tinha sofrido disso antes, por um golpe de maça recebido nas costas por um criador de camelo roubado. Dessa vez, Helium não teria como descontar a dor de uma ou duas costelas quebradas num alvo. Devia transformar essa dor em motivo para sair dali. Escavando com a mão, seu braço dormente acordou, trazendo mais dor ao esforço. O vento exterior não rugia tão alto como na noite anterior, mas trazia um cheiro de sangue, morte e um grito de dor.

"Aaaaaah, maldito Shebat, já não bastava feder como merda de camelo, agora... Aaaaaah, você está morto e estraçalhou minha perna. Na minha morte, terei minha... aaaaah, perna doí como os setes infernos, aaaaah... Na morte, terei minha perna de volta e te estriparei como um porco. É isso que você... aaaaaah, mereceeee!"

Helium conseguia distinguir claramente a voz do velho Norman. "Velho, estou vivo, mas preso. Chego já em você. Tem alguém do bando contigo?"

"Helium, é você? Não consigo te ver. Aquele furúnculo andante do Shebat foi arremessado em mim durante a tempestade. Minha perna esquerda está debaixo do corpo morto dele e o que sobrou.... Aaaah dela é uma poça maldita de carne e sangue. O laço que eu fiz nela diminuiu o sangramento, mas não consigo sair debaixo do corpo seboso, aaaaaah. Preciso de ajuda".

O bandoleiro se esforçou para sair de sua armadilha arenosa, mas demorou vários minutos ou horas para isso, ele não sabia dizer. O calor e a dor o confundiam. Quando a parede de areia desmoronou e possibilitou a saída do jovem, Norman já não reclamava mais de dor. Helium o encontrou bastante pálido, o sangramento da perna do velho guia do deserto banhava o solo. Colocou o cadáver de Shebat de lado, o cheiro de morte superando o fedor corporal. Um suspiro do guia o fez se aproximar. Não havia nada mais a fazer, apenas ouvir as últimas palavras de um moribundo.

 "Veja todos esses mortos na areia. Sobreviva. Não seja mais uma refeição dos abutres do deserto, nem que as serpentes do deserto habitem seu crânio seco. Faça por merecer a benção de Talos, o deus-senhor da tempestade. Deixe o sol me torrar e as areias se alimentarem do meu sangue." A morte de Norman veio logo.

O pôr do sol chegou depois que o corpo de Norman estava enterrado nas areias. Helium sabia onde estava, aquela parte de deserto meio rochoso, coberto de corpos de homens e animais mortos tinha palmeiras e um pequeno lago de lama. Era o oásis visto na noite de tormenta. A trilha de destruição causada pelo redemoinho, que vinha do seu antigo acampamento até ali foi a confirmação. O vento tinha revelado a ruína, que ele usaria como abrigo. Conseguiu tirar dos corpos um pouco de alimento e água. Tinha que ser forte e realmente abençoado por Talos, pois para chegar na cidade mais próxima, teria que sobreviver ao que o céu noturno trazia: uma nova noite de tempestade de areia.

* * * * * * *

Dois guardas entediados disputavam uma disputa de funda usando como alvo a marcação de pedra que simbolizava o início da chamada "estrada do deserto Calim". Um deles estava para perder duas dezenas de peças de cobre e puxou uma conversa, que talvez atrapalhasse seu adversário de boa mira.

"Caleb, anda pouco movimentado. Estou aqui de guarda por três tardes e não vi nenhum sinal de caravana ou viajantes chegando."

"Olha, Tariff, pelo o que o soube, pelo menos três caravanas..." Caleb, mesmo de 50 metros de distância, acertou o topo da marcação. Tariff, desanimado, desamarrava seu saquinho de cobre. "...Ganhei. Hahaha! Pelo menos cinco caravanas foram destruídas pelas tempestades noturnas nessa última dezena de dias. As rondas só encontram corpos mortos e coisas destruídas. Mais uma partida?".

"Não, já perdi meu soldo da semana. Você paga pelo menos um copo daquele mijo de bode que você chama de cerveja, no fim do turno." De uma duna de areia a duzentos metros de distância, onde a última marcação de pedra era praticamente engolida pelas areias, um homem queimado pelo sol, coberto de farrapos, trazendo faixas sujas imobilizando seu braço, marchava em direção aos portões da cidade. "Vem um pobre coitado da estrada. Veremos quem é."

"Gente na estrada. Quem sabe, sua sorte mudou, Tariff. Depois de sabermos quem é o andarilho, vamos começar uma nova partida de arremesso, de mais longe, valendo seu soldo da próxima semana?" Tariff ignorou Caleb, montou em seu camelo e avançou em direção do andarilho.

Caleb adiantou seu camelo e se aproximou do estranho antes de Tariff. "Quem é você, andarilho? De onde vem e qual é o motivo de sua passagem por nossa cidade?"

O forasteiro parou e prontamente respondeu: "Eu sou Helium, aquele que sobreviveu a Tempestade e vim buscar homens dispostos a viver no oásis que Lorde Talos me deu!"


Próxima semana, "Areias do Passado", parte 2. A parte 1 foi baseada nos backgrounds de 3 personagens da campanha "Lorde de Scornubel".

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Metajogo II - Interpretação


Metajogo - Para aqueles assuntos de regras de RPG, mas principalmente, o além das regras.


Como eu resumi muito tempo atrás... Esqueceu? Está aqui!!
...RPG, num esquema seria:

(Interpretação + Jogo + Imaginação) = Diversão.

Falemos sobre o 1º item, então:

INTERPRETAÇÃO

Querendo se vestir como seu personagem? É legal, mas é opcional!

Sendo o mais resumido possível, na minha opinião, interpretar é arte de representar um personagem, seja no teatro, na televisão, num filme - alguns interpretam na vida, mas não vem ao caso - e no caso do RPG, o jogador é o intérprete do seu personagem.

Sim, RolePlayingGame tem muitas semelhanças com o teatro, mas é diferente de um. Para entender melhor, vamos as diferenças. Peço logo minhas desculpas aos atores, diretores e teatrólogos caso eu escreva alguma besteira sobre o teatro. Aqui, as opiniões são no senso comum mesmo!

A) No Teatro, as apresentações são baseadas numa peça, num roteiro.
B) Os personagens da peça ou da obra são atores ou figurantes.
C) Existem os protagonistas (personagens principais) e os antagonistas (personagens cujas trajetórias interferem no desenvolvimento dos personagens principais).
D) Cada grande obra representada no teatro tem por detrás dela um escritor, um roteirista (caso ela seja adaptada de um livro) e um diretor.
E) Toda apresentação tem começo, meio e fim imutável.
F) Como é imutável, a não ser que seja uma obra que sejam permitidas improvisos, todas as apresentações vão seguir o mesmo roteiro.
G) Na peça, junto com os atores, estão lá os cenários, os bastidores, os efeitos sonoros, os jogos de luzes e outras ferramentas.
H) O teatro é para ser visto. É feito para fazer sua audiência, seus espectadores rirem, chorarem, etc, em resumo, se emocionarem e se conectarem de alguma forma com a obra.

Beleza, entendi. E agora, como funciona no RPG?

1) No RPG, as apresentações são Aventuras baseadas numa peça, num roteiro. Os Rpgistas chamam essa peça ou roteiro de Campanha.
2) Os personagens da obra são os personagens criadas pelos Jogadores e pelo Narrador/Mestre da campanha.
3) Grande parte dos Personagens Principais da história são os interpretados pelos jogadores. Um ou alguns jogadores podem ser temporariamente ou permanentemente o antagonista da aventura, mas normalmente, isso fica por conta do Narrador, assim como personagens aliados e figurantes da história, chamados de NPCs (no inglês, No Player's Characters; no nosso bom português, numa tradução literal, personagens que não são feitos pelos jogadores). NPCs são outros personagens da história, cuja administração fica por conta do Narrador.
4) O Narrador tem o papel conjunto de escritor - ele que decide a temática da aventura e da campanha - de roteirista - ele escolhe qual sistema de regra e cenário empregar, aqueles mais adequados para a campanha - e diretor - baseado nas ações dos jogadores, escolhe o caminho mais adequado para onde a aventura deve prosseguir.
5) Toda aventura tem seu início, situações de clímax e um final provavelmente planejado. O importante é que tudo isso é mutável. Qualquer aventura pode mudar completamente em qualquer ponto, já que a história uma construção tanto do Narrador quanto dos jogadores; depende das ações dos jogadores a sequência; a sorte e/ou azar (prefiro chamar de aleatoriedade) também interferem no que acontece.
6) Logo, a história de toda aventura muda, se transforma. Se a história for boa, a aventura sempre é diferente.
7) O cenário é a IMAGINAÇÃO (falaremos nela mais tarde), tanto dos jogadores, quanto do Narrador. Claro que o narrador é o principal responsável, por ser ele a figura que propõe a aventura que os jogadores devem participar (play em inglês, mesma palavra usada para encenar uma peça). É função também do Narrador trabalhar com as outras ferramentas, podendo sempre contar com a participação e colaboração dos jogadores.
8) A audiência são os próprios participantes do grupo de RPG, ou seja, jogadores e narrador. Eles vivenciam a emoção de representar e assistir a se próprio atuando dentro da aventura.

A analogia RPG - Teatro foi boa? Deu para entender bem? Faça seu comentário, dê sua opinião, ajude a complementar esse quadro comparativo. Esse site é feito contando com sua participação!

Na próxima semana, falaremos sobre JOGO, a parte lúdica do RPG!


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Histórias do Bardo II - "Um Homem e sua Mula"


Histórias do Bardo é uma coletânea de histórias engraçadas (ou trágicas para os seus participantes) ouvidas ou presenciadas por mim, de fatos ocorridos em sessões de RPG.

Nossa história de hoje fala de um homem e sua dedicação à sua companheira de aventuras, a Mula...

Resumidamente, a aventura se tratava de impedir que um Paladino fosse usado como ponte de entrada para um exército maligno comandados pelos Pecados Capitais dominassem o mundo. Dito isto, o começo da aventura tratava-se da reunião de nossos heróis, na primeira tentativa de impedir a captura do paladino para esse nefasto fim. Entre nossos heróis, estava ele, Hugo (nome do jogador mesmo, porque não lembro do nome do personagem, fica como homenagem, hahaha!) com sua mula, carregada dos seus equipamentos de aventura.

Logo depois de ser salvo, o Paladino os convida para passarem a noite na fortaleza de sua família, convite aceito pelos personagens, mas Hugo apresentou sua primeira ressalva: "Aceito ir se o lugar tiver onde guardar a mula". Receber a notícia que tinha lugar para a mula não bastou. Enquanto os personagens se aconchegavam em seus quartos, ele inspecionou minuciosamente o local onde a mula ficará guardada, "porque ela era muito importante, praticamente membro da família dele".

Infelizmente os 7 membros da família do paladino (que estava dominada por cada um dos sete pecados capitais), enquanto ele esteve fora, explorou o máximo que pode de uma forma maligna, a vila próxima do castelo, provocando a revolta dos aldeões, que iam invadir e se vingar da família. No jantar, o Paladino foi envenenado na frente dos heróis e os heróis foram impedidos por alguns membros da família de salvá-lo. Enquanto os heróis lutavam, o paladino foi levado para o templo-tumba da família, para um sacrifício. Toda essa confusão acontecendo enquanto a multidão tentava invadir a fortaleza.

Tática do grupo de heróis para resolver a armadilha: Impedir o ritual, salvar o corpo do paladino e apaziguar a multidão. Tática de Hugo: SALVAR A MULA primeiro antes de seguir a tática do grupo.

Logo, o grupo foi o primeiro a passar pelos guardas do templo - eles estavam desavisados do que estava acontecendo, mas foram facilmente convencidos a deixar eles entrarem. Já Hugo chegou atrasado, por ter resgatado sua mula. O problema que ele queria entrar no templo com a mula, o que era um sacrilégio. Mesmo com os guardas explicando isso, a honra de Hugo e a vida de sua mula estavam em jogo. Então, ele entrou em combate com os guardas e os derrotou.

Enquanto isso, as forças dos sete pecados mortais mandaram soldados goblinóides atacarem os heróis no templo. Quem estava lá depois de derrotar dois guardas inocentes e ficou para enfrentar esses soldados? Hugo e sua mula. Talvez transtornado pelo combate anterior e vendo que 6 soldados seriam um desafio para ele, Hugo decidiu sacrificar sua mula, tocando fogo nela, "pois ela servirá com uma barreira incendiária!" O deus das mulas deve ter ouvido esse abuso e quando o jogador foi tacar fogo na coitada, os dados lhe deram uma falha crítica.

Moral da História: Todo homem coloca chamas em si mesmo quando abandona o amor por sua mula querida!

terça-feira, 29 de julho de 2014

Crônicas I - Campanha Lordes de Scornubel, Introdução

Porto de Waterdeep, ao entardecer.

Atualização em 11/08/15 - Confira o verdadeiro prólogo da Campanha Lordes de Scornubel aqui!
Leia aí a introdução e esse pequeno texto depois dela, depois de uma organização, será o capítulo 2!

Confira o capítulo 1 - "Areias do Passado" nos links abaixo:
Parte 1
Parte 2
Parte 3

Olá, estamos voltando a esse canto guardado e coberto de teias de aranha...
Mas estamos voltando para trazer de uma forma legal (leia-se: me forçando a voltar a escrever), resumos das sessões das campanhas - sejam feitas por mim originalmente ou utilizando algumas aventuras prontas - que ando mestrando. Isso é um teste que tem como objetivo aumentar o interesse e a interação dos jogadores, amigos e leitores de fantasia medieval.

Nossa pequena crônica de hoje, trata-se da história principal que atualmente narro. Ela se chama "Lordes de Scornubel" (depois vocês entenderão o motivo), realizada no cenário de Campanha Forgotten Realms (Reinos Esquecidos para os leitores na língua PT-BR), no sistema de jogo Dungeons & Dragons 3.5 - D&D 3.5 para resumir.

Antes de começarmos, deixo meus agradecimentos aos jogadores iniciais dessa campanha - Thâmara, Gerge, Gabriel, Matheus Panda, Will, Hugo, Thomás, Joaquim, Cyndia e Gabi (é, mestro para muita gente!) - que ajudaram a construir esse "mundo" com suas histórias e principalmente, com os conflitos pessoais dos personagens, que chamamos carinhosamente de tretas!

"...Em um outro universo..."

A praça Cannith estava movimentada desde cedo. Era tanto um ponto central de encontro quanto ponte flutuante, ligando duas torres flutuantes repletas de lojas a uma terceira torre, sede da Casa Cannith, a portadora da marca dracônica da Criação, na grande cidade de torres flutuantes de Sharn. Quem passava de frente dessa torre e observava o símbolo no topo de seu portão, um touro metálico, sabia que ali se encontrava uma família mágica imponente.

Poucos verdadeiramente sabiam o que significava a marca dracônica, um artefato que possibilitava um monopólio mágico do poder que ela possuía. Ainda menos pessoas sabiam que a Casa Cannith, com o poder da Criação, produziam itens cada vez mais perfeitos. Todos os criadores mundanos ou mágicos lhe deviam alguma vassalagem.

O jovem Bruce, popularmente conhecido como "Marretão", ignorava tudo isso. E ainda mais, com sua habilidade de forjaria, ousava criar itens na oficina de seu mestre, com o objetivo de superar a qualidade dos itens canithianos. Isso não seria suportado por muito tempo, logo foi um erro quando ele se dirigiu àquela praça.

Aproveitando todo o movimento de vendedores e clientes, Bruce procurava uma nova forjaria para trabalhar. Seu mestre tinha lhe dispensado depois de um grande serviço, um projeto de fabricação de peças para um novo equipamento de combate, e suas moedas de prata estavam acabando. Ao invés de arrumar um novo emprego, ele chamou a atenção dos guardas da Casa. A pequena discussão caminhava rapidamente em direção de ser tornar uma briga física, mas tremores sacudiram a praça.

O céu pareceu se rasgar, criando um vórtice luminoso, cuja força arrancou as torres do lugar e as atraiu para si. Logo, esse rasgo de realidade começou a puxar cada vez mais forte, arrancando Bruce do chão e o levando para a morte certa...

###

Rengar era um exilado. Um andarilho das savanas do Shar. Um viajante buscando um novo sentido de vida. Estava contrariando seus instintos raciais, seu sangue vindo do povo gato. Um humanoide felino abandonando seu clã por uma injustiça. Buscando uma caçada que o fizesse esquecer dos problemas do passado.

Uma pequena vila humana em chamas, vários mortos, algumas mulheres sequestradas. Sede de justiça. Algumas horas de perseguição levaram aos captores, um grupo de humanoides com sangue e traços demoníacos. Eram muitos, mas aquelas mulheres não mereciam seu futuro destino. Rengar apenas precisava do momento certo para utilizar seus talentos mágicos conjugados com sua lâmina. A oportunidade veio ao anoitecer.

Ele e seus inimigos foram surpreendidos por um clarão luminoso enorme na escuridão do céu. Pouco depois, um estrondo enorme e o que parecia ser uma torre de pedra caia do céu a vários quilômetros de distância. Rengar se concentrou e ignorou a cena o melhor que conseguiu. Vidas corriam riscos. O felino avançou e conseguiu derrubar alguns dos inimigos, mas logo a distração não funcionava mais. Ele foi acossado de todos os lados e veria a morte chegar. Rengar sentia o chão tremer, mas a torre que caia do alto estava muito longe. Aquele que ia matá-lo, teve sua cabeça atravessada por um machado. Rengar estava salvo, ele e as mulheres. Uma tropa reluzente de anões montados em pôneis de combate exterminaram os seres demoníacos. Mas Rengar estava enganado, os anões dourados não eram seus salvadores, eram seus novos captores."


Continua... História baseada nas sessões 1 - "Batismo de Fogo" e 2 - "Encontros Inesperados".