Androvani e Justin |
Antes de começar a ler, confira a parte I!
O pior final de festa que já vi. Parecia a bagunça de onde acordei drogado.
Não, bem maior. Pessoas dormindo. Pessoas deitadas, talvez vivas. Cadeiras no
chão, quebradas, fora do lugar. Nenhuma mesa no seu lugar. Gritos, roncos, dor.
Lembro que quase uma centena de pessoas foi convencida a vagar por uma floresta
escura até essa lona. Callum e seus homens da Lótus Negra já haviam deixado
tudo pronto para um grande banquete, regado a uma nova bebida. Lótus Negra, um
gosto inicial amargo, mas que escorria doce pela garganta. Dava uma sensação
parecida com uma erva halfling que fumei anos atrás. Entorpecia e dava alegria,
me fazendo rir por motivo nenhum. Mas sem essa dor de cabeça e perda de memória
que sinto agora. As memórias voltam, pouco a pouco, com se uma névoa
diminuísse. Estava numa mesa logo na entrada da lona maior, conversando com
Androvani, comentando como ganharíamos ouro. A companhia que eu estava
interessado em participar estava dando uma festa como essa. Imagine o soldo que
eles deveriam pagar. Mas o bardo estava interessado na vida dos outros, é claro
e me chamou para prestar atenção. Na nossa frente, um jovem chondathiano
discutia com uma ruiva meio elfa da lua. Claramente, uma discussão de casal.
Não dava para ouvir o que falavam pela algazarra causada pela bebida e comida
abundante. Mas deu para ouvir o passo pesado de um nobre que deu um soco no
jovem e carregou a ruiva nos braços. Vendo a meio elfa contente, sendo levada
pelo seu novo salvador, me lembrou de alguns antigos relacionamentos meus.
Entre risos, fui até o jovem, perguntei seu nome e o ajudei a levantar. Quando
ia explicar que nobres de armadura impressionavam moças tolas e por isso, ele
tinha perdido sua pretendente, Callum, acompanhado de alguns dos seus homens,
nos convidou para uma festa especial, eu, Andro e o rapaz que tinha perdido sua
namorada, chamado Leon. Os convidados especiais foram justamente as pessoas que
encontrei na tenda menor, quando acordei desnorteado. Mas consegui ver a meio-elfa
Alicia... Como eu sei o nome dela? Bem, a vi indo embora a Nashkel sendo
carregada nos braços do nobre e sendo acompanhada à distância por mercenários
da companhia.
+++
- Androvani, não há nada que devemos ver aqui, nessa tenda maior. Temos que
chegar na feira. Antes que os malditos fujam com nossas coisas.
- Claro, claro! Ficar sem aquele alaúde seria como ficar sem um braço. Mas
parece que vamos com companhia.
Os dois companheiros viram quando Leon se aproximou deles. Mesmo com uma
cara bastante abatida, o chondathiano acenou afirmativamente com a cabeça,
esboçou um breve sorriso. "Os outros pretendem seguir também para a feira
lá embaixo". Leon apontou para o grupo reunido alguns metros atrás, um
elfo do sol, um bárbaro, um humano de Calinsham, e outros dois humanos
chondathianos. "Senhor Justin, eles pretendem ir todos juntos, por
segurança. Nenhum deles parece lembrar qual caminho tomaram para chegar até
aqui."
Justin suspirou e acenou com a mão para que o grupo o acompanhasse. A única
coisa que lhe alegrava naquela manhã foi que o azar que acompanhava seus atos,
parecia ter sido compartilhado por muitos. Mas o pensamento alegre foi embora
logo quando adentravam no bosque. Uma névoa branca e pesada da manhã preenchia
o ambiente. Rapidamente, o grupo estava espalhado e invisível. Mesmo ouvindo as
reclamações de alguns deles sobre o que tinha acontecido naquela noite, o
tethyriano não teria como localizá-los.
- Você consegue acreditar nisso, Justin? O outro bardo, aquele que estava
escrevendo um livro enquanto bebíamos, ele é fanho, hahaha! - mesmo
tagarelando, a voz de Androvani chegava abafada, sussurrada aos ouvidos do
tethyriano, mas o riso foi ecoado. Se havia algum inimigo naquela mata,
aparecia logo naquela cortina branca de orvalho da manhã.
Depois de alguns minutos de caminhada e tropeços em galhos, folhas e raízes
ocultas no chão, o clima pareceu esquentar e a luminosidade crescente da manhã
fez todos enxergarem um pouco mais do que um palmo de distância do nariz. Os
convidados especiais da companhia andavam em dois grupos. Justin, Androvani e
Leon agora tinham a companhia na retaguarda de Lírio, uma clériga humana de
Tymora de cabelos negros e curtos, da lutadora humana ruiva, de características
sulistas - que apresentou rapidamente a clériga e lhes contou que seu nome era
Juliet - e de um anão do escudo que tentava acompanhá-los. No mesmo ritmo de
caminhada, poucos metros à esquerda estavam o monge humano calishita, o barbaro
humano do norte gelado, o bardo alvo das risadas de Androvani, um humano
sacerdote e o elfo do sol.
O bardo se sentiu à vontade novamente para falar. "As pessoas falavam,
'Androvani mal leva jeito para batedor de bolsos no mercado, vai passar fome
tocando alaúde'. Estou aqui, sem ouro e sem alaúde, mas com certeza sou melhor
do que aquele ali. Lembra de quando ganhei o alaúde, Justin?"
- Como poderia esquecer? Desde aquele dia, você me deve sua vida, Andro.
+++
Tarde da noite. Docas da cidade de Athkatla. Um beco escuro fedendo a peixe,
restos das barracas que vendiam isso na manhã do dia anterior. Boêmios cantando
uma velha canção de amor. Nenhuma dessas características atraia Justin, o
lâmina maldita, para a taverna de reputação sombria chamada Pedra da Sereia.
Tinha acabado de receber sua parte de moedas de ouro, na patrulha de uma
companhia mercante. Nessa missão, teve que pisar novamente em terras
tethyrianas, depois de anos fugindo de sua maldição. Seu azar crônico em nada
tinha influído em seu trabalho. Chegava a trazer um leve peso na consciência
por ter conseguido ouro tão fácil, sem precisar sacar a espada. Sem sujá-la de
sangue. Logo, logo, Tymora, a deusa da sorte ia esquecê-lo e sua maldição
cobraria uma taxa.
O Pedra da Sereia era o único local a essa hora da madrugada onde ele não
precisaria se preocupar em beber, receber uma facada nas costas e ter todo o
seu dinheiro roubado. E parecia realmente agradável, devido a canção que saia
por suas janelas. Justin sentou-se à mesa desocupada mais próxima da entrada. O
salão da taverna estava repleto de cantores regados à álcool barato,
acompanhado a melódica voz da barda que se apresentava. Lídia estava em sua
última canção, que tratava de um amor impossível de uma humana e um elfo.
Quando a música acabou, chegou o garçom com uma garrafa de vinho de fogo. A
primeira golada desceu queimando pela garganta e reacendeu a vontade de Justin
de ouvir a voz de Lídia de novo em seu ouvido, em uma cama qualquer de uma
taverna barata. Mas ele sabia que ela tinha outro alguém. O tethyriano já sabia
disso, quando disse que precisava viajar e lutar por ouro. Era sua vida, depois
de perder sua família. Lutar para sobreviver e por dinheiro. Lydia não entendeu
isso. Sua recém carreira de cantora os manteria. Ele não acreditou. E foi
embora.
"Quatrocentas peças de ouro. Para um homem amaldiçoado, você está rico,
'J'. Hora da coruja. Vou dormir. Aparecendo trabalho, deixo um aviso com o velho
Peter. Os rapazes vão beber na Pedra da Sereia. Sua antiga garota canta lá
hoje, com um namorado novo, um tal de Androvani. Se eu fosse você, resolvia
isso.". Assim disse seu empregador duas horas atrás. Justin andou pelas
ruas pensando nas escolhas: dormi num quarto longe do vento frio das ruas ou
rever a mulher que ele sabia que não teria em sua companhia. Agora, ele estava lá,
separado dos rapazes que trabalharam com ele - bêbados e ainda cantando - em
seu terceiro copo de vinho, vendo Androvani, acariciando os ombros de Lydia. O
tethyriano conhecia o "tagarela" das ruas, o ladino que abandonou uma
guilda para tocar alaúde em tavernas. Havia uma aposta: quantas dezenas de dias
levariam para a guilda deixar de ignorar a arte do ladino e jogar seu corpo
morto no mar - Justin apostou 5 pratas e palpitou 3 meses.
O quinto corpo fez o lâmina maldita imaginar se ele poderia fazer o serviço
para guilda, mas ele parou e notou que um humano encapuzado na mesa mais
próxima do palco começou a disputar a atenção de Lydia. O Encapuzado saiu de
sua mesa e se sentou junto do casal. Justin riu quando Lydia saiu do colo de
Androvani, que se levantou rapidamente e gritou: "você a enfeitiçou, seu
maldito!"
- Um mago - o homem amaldiçoado falou para si mesmo - ótimo, num lugar como
essa espelunca, nunca é coisa boa.
Ele se levantou e se dirigiu em direção da mesa onde Lydia estava. A taverna
já estava no clima de conflito. O taverneiro se escondia detrás do balcão, os
atendentes já tinham corrido para cozinha. Quem já tinha saído rapidamente,
gritava por guardas. Quem estava lá dentro, afastava-se lentamente do mago. Os
únicos que iam contra a maré eram os defensores da barda.
O encapuzado começou a falar algo desconhecido para todos ali e juntou suas
mãos em forma de concha. Suas mãos se incendiaram e depois dispararam um jato
de chamas que atingiu em cheio o peito do bardo, com força suficiente para
derrubá-lo. Isso fez Lydia sair de um transe e gritar. Justin parou no meio do
caminho. Pensava no que estava fazendo, se ele conseguiria derrubar um mago.
Magos eram licenciados aqui, na capital de Amn. Ferir ou matar um deles seria
garantir uma execução, o tethyriano sabia bem. Mas se ele lançou uma magia de
fogo e estava nessa taverna, escondida num canto sombrio da cidade,
provavelmente não seria licenciado, ou seja, seria caçado pelas forças locais.
Justin se sentia mais confiante com esse pensamento e voltou a avançar.
Atrasado por seus pensamentos, nublados pela bebida, o amaldiçoado não notou as
mudanças.
Lydia tinha passado por ele carregando Androvani para fora da taverna. Em
sentido contrário, guardas entravam com bestas armadas, mirando ao esmo, sem
ainda saber que era a ameaça mágica. Novos gestos, frases estranhas e um cajado
de madeira, incrustado de joias azuis, apontado para os guardas. Com sua magia,
o encapuzado derrubou a primeira linha de guardas com um relâmpago. "Ela é
minha e matarei a todos, se preciso." A calma do mago ao dizer isso gelou
o coração de Justin. Ele já sabia que não poderia enfrentar o mago, mesmo vendo
alguns dos colegas mercenários decidindo enfrentá-lo. O azar apareceu para
cobrar sua taxa e sua antiga mulher não devia pagar por isso.
Ele correu o mais rápido que podia, ao ouvir um novo estrondo, o som do raio
caindo na terra, junto com o som de corpos caindo. Durante a formulação da
magia, Justin conseguiu ouvir o mago dizer com uma voz gélida: "Lydia,
paguei seus estudos, divulguei seu nome e seu talento. Tudo o que você é, deve
a mim. volte para mim e não matarei seus namoradinhos." O Tethyriano
chegou próximo da barda e ficou entre ela e o mago. Tinha que salvá-la. Ao
encarar o encapuzado, viu uma tropa de magos citadinos se aproximarem por
detrás deles, prontos para deter o místico não licenciado. Mas não foram
rápidos o suficiente.
Justin sentiu seus ouvidos estourarem com o
trovão, enquanto sua pele, ossos, músculos queimam e tremiam ante ao poder do
relâmpago. Em breves segundos, ele pensou que se sobrevivesse, isso seria heroico
o suficiente para ter a barda de volta. Mas ao se virar para trás, ainda
sentindo parte da dor de se eletrocutado vivo, lembrou que era amaldiçoado. Em
sua frente, apenas havia Androvani agradecendo por ter salvado sua vida e o
alaúde de Lydia caído no chão. Assim como ele tinha partido dois meses atrás, a
barda o abandonou...
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